Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas
Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas
Por Rosanne D'Agostino, - Brasília
09/09/2021
Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin votou nesta quinta-feira (9) contra a aplicação da tese do "marco temporal" na demarcação de terras indígenas no país.
O STF julga, desde o dia 26 de agosto, se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério que define que índios só podem reivindicar a demarcação das terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988, o chamado "marco temporal".
Relator do caso, Fachin defendeu que a posse indígena não se iguala à posse civil e não deve ser investigada sob essa perspectiva, e sim, com base na Constituição - que garante a eles o direito originário às terras.
Na sessão desta quinta, apenas Fachin concluiu o voto. O ministro Nunes Marques chegou a iniciar a leitura de seu posicionamento, mas só deve concluir o voto na próxima quarta (15).
Marco temporal sobre terras indígenas: entenda ponto a ponto o que é julgado no STF
"Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente", afirmou o relator.
Segundo Fachin, "os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais, que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna aos índios" e "a terra para os indígenas não tem valor comercial, como no sentido privado de posse". "Trata-se de uma relação de identidade, espiritualidade e de existência", disse.
O ministro ponderou também que aplicar o caso Raposa Serra do Sol, em que o Supremo reconheceu o marco temporal, a todas as demarcações é desconhecer a existência de diversas etnias indígenas.
"Muito embora decisão tenha a eficácia de coisa julgada em relação à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, ela não incide automaticamente às demais demarcações de áreas de ocupação tradicional indígena no país", argumentou.
Segundo o ministro, "não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé".
"No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais". "Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição brasileira.
Ministro defendeu que posse indígena é diferente da posse civil porque Constituição garante 'direito originário' às terras. Julgamento definirá parâmetro a ser usado em demarcações no país.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar se demarcações de terras indígenas devem seguir o chamado "marco temporal". Por esse critério, indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988 (veja mais abaixo).
A discussão põe ruralistas e povos originários em lados opostos. O governo Bolsonaro é favorável à tese.
A decisão pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. Indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco. Eles promoveram manifestação pelas ruas da capital federal.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado "direito originário" sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados por lei os primeiros e naturais donos desse território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras ocupadas originariamente por esses povos.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), uma organização não governamental, a tese do marco temporal vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa indígena temem que demarcações de terras já feitas sejam revogadas caso o STF valide o marco temporal.
Já proprietários rurais argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica e apontam o risco de desapropriações caso a tese seja derrubada. Assim como os ruralistas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é favorável à tese do marco temporal.
Qual o impacto para indígenas e terras?
Em 2013, o TRF-4 havia aceito a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina. Agora, o STF julga um recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) que questiona a decisão do TRF-4. E o que for decidido pelos ministros da Corte criará um entendimento que poderá ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Quando julgamento deve ser retomado?
Marco temporal no Congresso
Além do processo que corre no Judiciário, um projeto que tramita na Câmara dos Deputados tenta transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o Estatuto do Índio para permitir, segundo o texto, um "contrato de cooperação entre índios e não índios", para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados "para intermediar ação estatal de utilidade pública".
Proposto originalmente em 207, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos em 2009. Em 2018, acabou arquivado. No entanto, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do presidente Bolsonaro, que prometeu acabar com "reserva indígena no Brasil".
Em 29 de junho deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL é constitucional. Agora, a proposta aguarda análise do plenário da Casa, o que não tem data prevista. Se for aprovado no plenário, o texto ainda precisará passar pelo Senado antes de ser, eventualmente, sancionado.